Boletim Indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação - Fapesp
A Pandemia e a Formação de Doutores
Resumo
São apresentados dados sobre a formação de doutores ao longo da última década. Os dados incluem os totais, por grupo de instituições (federais, estaduais e privadas) e por grande área de formação. A partir dos dados sobre ingressos, matrículas e títulos conferidos, são calculadas as taxas acumuladas de conclusão. Os efeitos da pandemia de Covid iniciada em 2020 podem ser observados, principalmente no atraso na titulação, como mostra a comparação dos dados detalhados para os ingressantes em 2013 e em 2017. Registrou-se queda nos ingressos em 2022, mais evidente em algumas áreas.
1 Dados gerais sobre discentes de programas de doutorado
Na década de 2013 a 2022, o Brasil apresentou crescimento significativo na pós-graduação, incluindo os programas de doutorado, até 2019. No entanto, com o início da pandemia de Covid em 2020, houve uma série de mudanças nessa trajetória, como pode ser observado nos gráficos da Figura 1 (para as fontes e dados utilizados ver Fontes e dados), para os programas de doutorado.
No caso de ingressos nesses programas, a tendência ainda não está clara. Houve queda em 2020, crescimento em 2021 e queda mais significativa em 2022. O número daquele ano foi de 26.813 ingressos, abaixo do número de 2013, que havia sido de mais de 27 mil novos estudantes.
O número de matriculados não sofreu alterações siginificativa, até 2022, indicando que pode estar estar havendo um efeito de represamento no sistema, com adiamento na conclusão dos programa. Isso se observa pela queda no número de titulados, com o início da pandemia, voltando a subir a partir de 2021.
Observam-se picos nos números de ingressantes e de títulados em 2019, como comentado acima, e ainda crescimento no número de matriculados em 2020 e 2021, seguido de pequena queda em 2022. Observe-se que, segundo a metodologia da Capes, os titulados durante o ano de referência não são incluídos como matriculados, que são apenas aqueles matriculdos ao final do ano de referência.
Assim, uma análise do fluxo dos estudantes é necessária, segundo o ano de ingresso, para verificar o que ocorreu: se houve desistências em 2020-2022 ou se houve retenção de estudantes e consequente atraso na conclusão dos programas. Antes de desenvolver essa análise, vamos observar como ingressos e títulos concedidos variaram conforme a grande área Capes, na seção seguinte, e conforme a categoria administrativa (federal, estadual ou privada), em seguida.
2 Ingressantes e titulados por grande área
Os gráficos a seguir indicam que algumas áreas de formação foram mais afetadas do que outras, ao se iniciar a pandemia. No caso dos ingressos (Figura 2), observam-se quedas maiores nas seguintes áreas: C. Agrárias, C. Biológicas, C. da Saúde, C. Exatas e da Terra e Engenharias. Nas áreas de C. Humanas, C. Sociais Aplicadas, Lingüística, Letras e Artes e na Multidisciplinar, houve algumas oscilações mas não uma queda sistemática.
No número de títulos concedidos (Figura 3), houve quedas em todas as áreas, de 2019 para 2020, e recuperação em 2021 e 2022. Algumas, como C. Agrárias, C. Biológicas, C. da Saúde, C. Exatas e da Terra e Lingüística, Letras e Artes, mostram números de títulos concedidos, em 2022, ainda abaixo dos valores de 2019. As demais recuperaram os valores de 2019, ou até mesmo o superaram, como foi o caso de C. Sociais Aplicadas.
Apesar disso, os gráficos da Figura 2, que apresentam os números de ingressos declinantes por grande área, indicam que, nos próximos anos, a maioria das áreas poderá mostrar queda no número de títulos de doutorado concedidos, depois que os estudantes que possivelmente adiaram a conclusão de seus programas os tenham completado ou desistido.
3 Ingressantes e titulados por categoria administrativa
Outro aspecto a ser considerado é como a pandemia afetou as instituições das três grandes redes, de instituições federais, estaduais e privadas (as instituições municipais participam em níveis muito baixos dos programas de doutorado). Os gráficos a seguir mostram, os dados para esses grupos de instituições, para ingressantes e titulados.
Conforme os gráficos da Figura 4 e da Figura 5, as instituições federais e estaduais apresentam comportamentos bastante similares, tanto no caso de ingressantes como no de titulados, ao longo do período considerado. As instituições privadas mostram oscilações no caso de ingressos, e queda menor em 2020 para titulados. Em 2022, estas já aparecem com número de titulados superior ao de 2019. Esse comportamento está ligado ao fato de que as instituições privadas se concentram na área de C. Sociais Aplicadas, que inclui programas de Administração, Direito, C. Econômicas e outros. Essa grande área, como vimos na seção anterior, sofreu impacto menor da pandemia.
4 Fluxo da situação estudantil e taxa acumulada de conclusão por ano de ingresso
Nesta seção, apresentamos os dados de como se dá o fluxo estudantil para uma dada coorte de ingresso: analisamos como o grupo de estudantes ingressantes em um dado ano evoluiu ao longo dos anos seguintes em termos das três situações relevantes: matriculados, titulados e desistentes ou que abandonaram seu programas. A partir desses dados, computamos a taxa acumulada de conclusão, dada pela fração dos ingressantes em determinado ano que concluíram seus progrmas até um ano de referência.
O gráfico da Figura 6 contém os primeiros dados para todos os programas, independentemente de área ou categoria administrativa, para o ano de ingresso de 2013. Os valores de titulados e de abandonos/desligamentos é acumulado, o de matrículas é o corrente do ano, a soma compondo sempre o total inicial de ingressantes.
A partir dos dados deste gráfico, é possível computar dois índices: a fração dos ingressantes que concluíram o programa, até um certo ano, e a fração de titulados acumulados mais matriculados, também sobre o número de ingressantes do ano inicial considerado. O primeiro seria a taxa acumulada de conclusão, o segundo, por complemento a 100%, a taxa de desistência ou evasão. Esse indicador será útil ao analisarmos as turmas mais recentes, que foram mais afetadas pela pandemia.
O gráfico abaixo (Figura 7) inclui esses dados para a coorte de ingresso de 2013. Mostra que \(83\)% dos ingressantes de 2013 (primeira coluna na série) já havia concluído seu doutorado no final de 2018. E que, entre 2018 e 2022, houve um acréscimo de apenas \(2,\!4\) pontos percentuais na taxa de conclusão, que atingiu \(85\)%, sendo que já praticamente não havia quase matriculados com conclusão pendente. Podemos concliuir que a taxa acumulada de conclusão nos programas de doutorado, para a turma ingressante em 2013, foi próxima de \(85\)%, podendo atingir, se todos os que estavam ainda matriculados em 2022 concluírem seus programas, o valor de \(85,\!5\)% (valor da segunda coluna em 2022).
Esse valor é bastante alto e mostra que o sistema de pós-graduação brasileiro é eficiente no sentido de que há poucas desistências/desligamentos (os valores para o mestrado acadêmico são semelhantes). E, de fato, há um grupo de estudantes que sai do sistema por um tempo e depois volta e conclui seus progrmas (esses grupo não foi contabilizado nos gráficos acima, apenas aqueles que permaneceram matriculados ao longo de todo o período). Uma estimativa para a turma que ingressou em 2013 indica que, se esse grupo fosse computado, a taxa de conclusão seria acrescida de cerca de \(2\) pontos percentuais, até 2022.
O comportamento da turma ingressante em 2013 se mantém para turma de 2014, basicamente, pelo menos até o sexto ano após o ingresso, que neste caso, corresponde a 2019, o ano anterior ao início da pandemia de Covid. Mas passa a afetar as turmas seguintes, à medida que o ano de ingresso se aproxima de 2020. Para tornar o efeito mais claro, vamos considerar a turma ingressante em 2017 e repetir a análise acima. Seguem-se os dois gráficos para esse grupo.
Neste caso, observa-se que a fração de concluintes acumulada em 2020 (Figura 9, primeiras colunas), o quarto ano após o ingresso, foi de \(12,\!7\%\), em 2021, de \(51,\!0\)% e, em 2022, de \(71,\!1\)%, contrastando com as taxas acumuladas de conclusãonos anos correspendentes para a turma de 2013 (anos 2016, 2017, 2018), que foram de \(18,\!8\)%, \(69,\!4\)% e \(82,\!8\)%, respectivamente. Ou seja, no mesmo prazo a partir do ingresso, a turma de 2017 apresentou queda sistemática e significativa na taxa de conclusão acumulada a partir de 2020, apesentando uma diferença de \(11,\!7\) pontos percentuais no sexto ano após o ingresso (2018 no caso da turma de 2013, 2022 no caso da turma de 2017).
No entanto, é importante observar que o pecentual de estudantes que, neste sexto ano, ainda estavam matriculados, acabou por compensar essa queda, evidenciada pela porcentagem de titulados mais matriculados no gráfico da Figura 9 para 2022, que foi de \(87,\!9\)%. No caso da turma de 2013, essa porcentagem, no ano correspondente (2018), era de \(86,\!9\)%. Ou seja, o efeito da pandemia não foi de redução da titulacão com aumento da desistência ou desligamento, mas apenas de atraso na titulação e permanência nas matrículas, pelo menos até 2022. Não é possível afirmar que essse grupo de matriculados irá concluir seus programas e que a turma de 2017 irá atingir, também, uma taxa final de conclusão próxima de \(85\)%, até que dados para os anos de 2023 em diante sejam disponibilizados pela Capes.
Os dados preliminares de 2023 (ver Geocapes) indicam que houve recuperação no número de concluintes para o nível pré-pandemia, com cerca de 25 mil títulos concedidos naquele ano. Esse valor não garante que as taxas de conclusão para as turmas ingressantes de 2016 a 2020, as mais afetadas pela pandemia, venham a atingir os mesmos níveis de conclusão dos anos 2013 ou 2014, será necessário, como observado acima, aguardaros dados detalhados para atualizar a análise aqui apresentada.
5 Taxa acumulada de conclusão por área de formação
Há significativas diferenças entre dois grupos de áreas do conhecimento no que se refere ao fluxo da situação estudantil e à taxa acumulada de conclusão. Apresentamos no gráfico a seguir, para a turma de ingressantes em 2013, as taxas acumuladas de conclusão para o total geral e para das nove áreas de conhecimento da Capes, até 2022.
Apenas duas áreas mostram taxas acumulada de conclusão para essa coorte de ingresso abaixo da média geral (\(85,\!2\%\)), as de Ciências Exatas e da Terra (\(79,\!2\%\)) e de Engenharias (\(69,\!8\%\)), até 2022. A área com maior índice de conclusão é a das Ciências da Saúde, seguida de Ciências Agrárias e Ciências Biológicas, as três com índices acima de \(88\%\). As demais apresentam índices entre a média e esse valor.
Antes de passarmos à análise dos efeitos da pandemia sobre a formação por área, observamos qeu não há diferenças significativas entre os grupos de instituições, por categoria administrativa, uma vez que se controle por área. No geral, as instituições privadas apresentam índices acumulados de conclusão um pouco maiores do que as públicas (federais ou estaduais); porém, isso se deve ao fato de que elas não incluem números significativos de programas das áreas de Engenharias ou de C. Exatas e da Terra, que, como mostram os dados da Figura 10, apresentam taxas de conclusão significativamente mais baixas do que as demais.
O gráfico da Figura 11 busca mostrar o impacto da pandemia sobre as taxas de conclusão das áreas, comparndo a situação no sexto ano após o ingresso para as coortes de ingresso de 2013 e 2017 (2018 e 2022, respectivamente), como analisado anteriromente. Todas as áreas apresentaram quedas significativas nas taxas acumuladas de conclusão no sexto ano. As mais significativas ocorreram para C. Exatas e da Terra (-\(16,\!2\) pontos percentuais), Multidisciplinar (-\(14,\!5\) pp.) e C. Biológicas (menos -\(13,\!9\) pp.).
Ainda não é possível se estimar qual será a taxa acumulada de conclusão final para os ingressantes de 2017, pode ter havido apenas o adiamento na conclusão dos progrmas, mas é provável que não se atinjam os índices típicos, por área, das turmas que não foram afetadas pela pandemia, como a que ingressou em 2013 e cujos dados praticamente finais de taxa acumulada de conclusão estão na Figura 10 acima.
6 Sumário
Os dados apresentados neste boletim apontam para algumas conclusões, que podem ser resumidas nos seguintes pontos:
- O sistema de pós-graduação, no caso dos programas de doutorado, foi impactado negativamente pela pandemia de Covid de 2020-2021 em mais de um aspecto, incluindo queda nos índicadores de conclusão, de ingressos e no de taxa acumulada de conclusão.
- Esses impactos atingiram o sistema como um todo, seja por grupo de instituições (federais, estaduais e privadas), seja por grande área do conhecimento segundo a classificação da Capes.
- Houve uma queda imediata no número de títulos concedidos, em 2020, que passou a se recuperar em 2021 e 2022 (e há evidência preliminar de que essa recuperação continuou em 2023), ver Figura 1, Figura 3, e Figura 5.
- Há diferenças entre as áreas do conhecimento, algumas sofreram impactos maiores do que outras (Figura 3),
- Mas há pouca diferença entre os grupos de instituições, no comportamento do número de titulados, com relação à queda verificada em 2020; de fato, as maiores quedas para as instituições públicas se devem à concentração de algumas áreas, como C. C. Biológicas e C. Exatas e da Terra, nessas instituições, que foram bastante impactadas pela pandemia (Figura 11). No caso das instituições privadas, a concentração está em áreas que foram menos impactadas pela pandemia, como C. Sociais Aplicadas.
- Quanto aos ingressos, não houve uma tendência geral com o advento da pandemia, em 2020. Algumas áreas mostraram queda e depois crescimento e outras, quedas maiores (Figura 2). Novamente, as áreas mais afetadas foram as de C. Biológicas, de C. Exatas e da Terra e a de Engenharias. O ano de 2022 mostrou uma queda siginificativa nos ingressos, em geral, o que pode resultar, para os próximos anos, se não houver recuperação, em queda no número de títulos de doutarado concedidos. A queda foi maior no sistemas público (Figura 4), consistente com a concentração de áreas com maires quedas registradas.
- A taxa acumulada de conclusão, calculada pela fração dos ingressantes em um dado ano que se titularam até um certo ano de referência, apresenta valor bastante alta, de cerca de \(85\%\) para os ingressantes de 2013 (Figura 6, @fig07), acumulada até último ano com dados disponíveis (2022). Observam-se valores acima dessa média para a maioria das áreas (Figura 10). Os valores se mantém para as turmas pouco afetadas pela pandemia (pelo menos até a de 2015).
- No entanto, a partir de 2016, e mais claramente, de 2017, houve redução na evolução taxa, em função da pandemia de Covid, como se evidencia pela comparação dos gráficos da Figura 7 e da Figura 9. No primeiro caso, para os ingressantes de 2013, no sexto ano após o ingresso (2018), \(82,\!8\%\) da turma havia se titulado, enquanto que no caso da turma ingressante em 2017, também no sexto ano após o ingresso (2022), esse índice era de \(71,\!1\%\), mais de \(11\) pontos percentuais de queda.
- Esse efeito, de queda da evolução da fração de titulados sobre ingressantes, pode ser verificado também para todas as áreas do conhecimento (Figura 11), com algumas apresentando quedas mais siginificativas que outras.
Fontes e dados
Os dados utilizados neste boletim derivam dos microdados da Base Sucupira, desenvolvida pela Capes, de 2013 a 2022. Eles podem ser acessados no Portal Dados Abertos da Capes.
Sobre o Boletim
O Boletim Indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação/Fapesp é uma publicação da Gerência de Planejamento, Estudos e Indicadores (GIP), Diretoria da Presidência do Conselho Técnico Administrativo (DPCTA) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Como citar
Fapesp (2025). A Pandemia e a Formação de Doutores. Boletim Indicadores de CT&I 03/2025. GIP/DPCTA/Fapesp, São Paulo, 2025.