Boletim Indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação - Fapesp
Colaborações Científicas entre Unidades da Federação
Resumo
São apresentados dados recentes sobre a colaboração científica entre as Unidades da Federação (UF), utilizando as informações de publicações científicas indexadas (base Web of Science). Observa-se, em geral, aumento na intensidade das colaborações, evidenciado pela maior porcentagem de publicações com autores de mais de uma UF, tanto nos totais como por grande área do conhecimento. Um efeito relevante das colaborações é, em geral, a maior visibilidade das publicações, indicada pelo aumento no número de citações recebidas por aquelas com autores de mais de uma UF. Ao se observarem as áreas do conhecimento, nota-se que, na maioria delas, segue-se a mesma tendência. Para algumas UFs, nota-se menor efeito das colaborações sobre o número de citações, mas é possível entender esse efeito observando-se a taxa de colaborações internacionais das publicações com e sem colaborações com as demais UFs.
1 Introdução
O número de publicações científicas em colaboração com autores de mais de uma instituição, região ou país, vem se expandindo em ritmo superior ao do crescimento geral das publicações, como evidencia o aumento da porcentagem dessas publicações nos totais relevantes. Por exemplo, a Figura 1 mostra que as porcentagens das publicações com autores sediados no Brasil que também incluem autores de outros países vêm crescendo sistematicamente, tanto para o total de publicações como por grande área do conhecimento (para as fontes e dados utilizados, incluindo a escolha das áreas do conhecimento, ver Fontes e dados).
Ao longo deste Boletim, serão apresentados resultados das colaborações entre as Unidades da Federação. Note-se, preliminarmente, que não é certo que, para todas as UFs, o índice de colaborações com outras UFs cresça sistematicamente, como se verá adiante.
2 Publicações das UFs e suas colaborações: dados gerais
Apresentam-se aqui os números de publicações que as UFs têm indexadas na base Web of Science/Clarivate, em média anual por triênio, desde 2010 (Figura 2). As UFs estão arroladas em ordem decrescente do número de publicações do último triênio.
Há diferenças significativas entre as UFs quanto ao volume de publicações, que se devem a diversos fatores, incluindo população, número de instituições que se dedicam à pesquisa, número de programas de pós-graduação existentes e outros. (Obs.: as escalas verticais se adaptam ao escopo dos valores de cada UF.) Outro ponto que pode ser lido deste gráfico é a queda no número de publicações para a grande maioria das UFs no último triênio em relação ao anterior. Esse fato decorreu da pandemia de Covid 19 e foi verificado para praticamente todos os países (houve um atraso nesse impacto: só em 2022, início do último triênio analisado, a redução passou a ser observada). De qualquer forma, com exceção de uma UF, houve crescimento significativo no número de publicações científicas ao longo do período analisado, até o advento da pandemia.
Em relação às colaborações, a Figura 3 mostra, para todas as publicações de cada UF (ou seja, inclui todas as áreas do conhecimento), a porcentagem de colaborações com as demais. Mais explicitamente, é a fração (em porcentagem) de publicações da UF com pelo menos um pesquisador sediado em outra UF. Como acima, vê-se a evolução dos valores ao longo dos triênios a partir de 2010-2012. Foram preservadas as escalas verticais para evidenciar as diferenças entre as UFs, apresentadas em ordem crescente para o valor do último triênio.
As UFs com grandes volumes de publicações (ver Figura 2) apresentaram as menores porcentagens de colaborações - abaixo de 60% – mas com tendência de crescimento ao longo do período analisado. Por outro lado, aquelas com menor número de publicações apresentam percentuais de colaborações em geral mais altos: metade das UFs estão acima de 60% nesse indicador em todo o período analisado.
É possível analisar em maior detalhe o comportamento das publicações e colaborações, relacionando-o com a população da UF. A Figura 4 apresenta, para os triênios 2010-2012 e 2022-2024, o número de publicações (eixo \(x\)), a porcentagem de publicações em colaboração com demais UFs (eixo \(y\)) e a relação de publicações por 100 mil habitantes na faixa etária 25 a 64 anos (área dos discos). Para ver os dados completos da UF, passe o cursos sobre o disco.
A porcentagem de colaborações se mostra negativamente correlacionada com o (log do) número absoluto das publicações, para os dois triênios. Os valores de \(R^2\) acima de 0,85 nas regressões lineares, nos dois triênios, indica alta correlação entre as duas grandezas, evidenciadas pelo alinhamento dos pontos no gráfico. Nos dois casos, quando dobra o número de publicações entre UFs, a taxa de colaboração diminui cerca de 6 pontos percentuais (inclinação das retas de regressão, não incluídas).
O gráfico da Figura 4 também mostra crescimento dos três indicadores envolvidos, entre os triênios considerados:
- para publicações, algumas UFs mais do que triplicaram o número (Amapá, Acre, Alagoas, Rondônia), mas todas apresentaram crescimento significativo nesse indicador;
- para o percentual de publicações em colaboração, o crescimento médio entre os dois triênios foi de 11 pontos percentuais, indicado pela diferença vertical entre as duas retas de regressão (não indicadas no gráfico). Algumas UFs, com altas taxas de colaboração no primeiro triênio, apresentaram pequenas quedas, o que é esperado, à medida que aumentou o número de publicações. Para a maioria, contudo, obsevou-se crescimento nesse indicador, de forma que, no triênio mais recente, quase todas as UFs apresentaram o valor máximo do indicador de colaborações no período considerado, o que mostra tendência de crescimento das colaborações entre as UFs brasileiras acima do crescimento do número de publicações verificado na Figura 2;
- finalmente, o indicador de intensidade (publicações por 100 mil habitantes de 25 a 64 anos) da maioria das UFs ultrapassou o valor de 50 publicações/100 mil habitantes, o que não era o caso no primeiro triênio considerado, reflexo do crescimento do número de publicações registrado para todas as UFs entre os dois períodos de referência.
3 Publicações e colaborações por área do conhecimento
Para se analisarem as colaborações entre as UFs sob a perspectiva das áreas do conhecimento, restringiu-se a análise apenas ao último triênio, 2022-2024, para facilitar sua visualização. De início, observe-se o número de publicações para cada UF, por grande área do conhecimento, para o triênio 2022-2024 (Figura 5). Assim como no caso da Figura 2, as escalas verticais são adaptadas ao escopo dos valores de cada UF. A ordem das UFs é decrescente pelo total de publicações para o triênio 2022-2024, ou seja, seguindo-se a ordem da #fig-02. Sobre as áreas do conhecimento utilizadas, ver Fontes e dados.
A primeira observação que se pode fazer a partir desses gráficos é que a área de Ciências da Natureza é a mais ativa nas publicações científicas indexadas internacionalmente, em todas as UFs. Essa área inclui, além das ciências propriamente da natureza, como Ciências Biológicas, Física e Química, também as chamadas Ciências Exatas, como Matemática, Computação e Estatística.
A segunda área mais ativa é ade Ciências Médicas e da Saúde, mas, neste caso, para algumas UFs ela é menor do que outras, por exemplo, para Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Tocantins, onde a de Ciências Agrícolas e Veterinária a supera. Nesta última UF, assim como em Rondônia, a área de Ciências Sociais, Humanidades e Artes é a segunda maior. Esta área é a terceira mais frequente em Santa Catarina e Distrito Federal
São Paulo chama a atenção não só por ter o maior volume geral de publicações, como já visto, mas por ter a área de Ciências Médicas e da Saúde quase com o mesmo volume do que a de Ciências da Natureza. O Rio Grande do Sul e o Maranhão também apresentam um peso maior do que a média para a área da saúde. A área de Engenharia e Tecnologia apresenta participações variadas para o conjunto das UFs. Ela se destaca no caso de Santa Catarina e é relativamente alta para São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Distrito Federal, Paraíba, Rio Grande do Norte e Espírito Santo.
A Figura 6 apresenta os percentuais de colaboração entre uma UF e as demais, como anteriormente, por grande área do conhecimento, para este último triênio. Neste caso, as escalas verticais são constantes e as UFs são apresentadas em ordem crescente da taxa de colaboração do triênio para todas as áreas, como na Figura 3.
Os dados indicam certa homogeneidade nos índices para a maioria das áreas, para cada UF, mas sobressai-se a de Ciências Agrícolas e Veterinária por ser a que apresenta a maior porcentagem de colaborações regionais para a maioria das UFs. Esta é uma informação interessante, pois ela é a segunda área com menor frequência de colaborações internacionais para o Brasil como um todo, segundo a Figura 1. Esse fenômeno não ocorre para a área de Ciências Socias, Humanidades e Artes, a que apresenta os menores índices de colaborações internacionais, ainda segundo os dados da Figura 1, e também os menores índices de colaborações entre as UFs, como mostra a Figura 6.
Ainda sobre Ciências Agrícolas e Veterinária, esta é a área em que o Brasil tem maior participação no cenário mundial: autores sediados no Brasil participam com entre 7% e 8% das publicações dessa área, percentual relativamente elevado se comparado ao do total das publicações com autores sediados no país (de 2,5% a 2,7% do total mundial).
4 O efeito das colaborações sobre o número de citações das publicações
Um dos principais efeitos das colaborações, seja entre países, regiões, UFs ou instituições, é que, em geral, o número de citações das publicações com essa característica tende a ser mais alto do que as demais, com o cuidado de se controlar outras variáveis relevantes. No caso das colaborações entre as UFs, em alguns casos e em algumas áreas do conhecimento, pode ocorrer redução na frequência das colaborações internacionais, que, sabe-se, apresentam impacto significativo e positivo sobre as citações, para todos os países. Isso ocorre, por exemplo, no caso de São Paulo, em algumas áreas onde há forte colaboração internacional, mas não com a mesma frequência entre as publicações em colaboração com outras UFs.
A Figura 7 apresenta o indicador do impacto de citações da plataforma Incites/Clarivate, o Impacto de Citações Normalizado por Categorias - ICNC (Category Normalized Citation Impact - CNCI, no original), para cada UF, para as publicações com e sem colaborações com outras UFs, em média anual para o triênio 2022-2024. O ICNC para um conjunto de publicações (por exemplo, de uma grande área), de uma região (por exemplo, uma UF, no caso do Brasil), de determinado período, é dado pelo número médio de citações recebidas por publicação desse conjunto dividido pelo número médio de citações recebidas por todas as publicações no mundo, da mesma área, no mesmo período, considerando a área e o tipo (artigo em revistas, revisões, livros, etc) da publicação. Isso evita que uma área em que as publicações recebem muitas citações seja considerada mais significativa do que outra, que recebe menos citações. Valores próximos a 1,0 indicam que o número de citações médio do conjunto de publicações acompanha a média mundial. Quando maiores, indicam estar acima dessa média e, menores, abaixo dela.
Na Figura 7, as UFs estão ordenadas em ordem decrescente do índice para o total de publicações das UFs.
De modo geral, o indicador de citações normalizado é maior para as publicações com colaboração entre UFs do que para as que não compatilham essa característica. Em algumas UFs esse indicador é bem elevado, como Sergipe, Espírito Santo, Bahia, Acre, Roraima, Rondônia, Mato Grosso e Tocantins. Em outras o impacto é menor, mas ainda positivo, como São Paulo, Distrito Federal, Paraná, Alagoas e Paraíba. Apenas no Maranhão não se observou esse efeito.
Para apresentar o efeito por área do conhecimento em apenas uma figura, para todas as UFs, calculou-se o quociente entre o valor do ICNC para o conjunto de publicações com colaborações e o equivalente para as publicações sem colaborações. Valor igual 1,0 indica que os dois índices são idênticos; se maior do que 1,0, que o conjunto com colaborações apresenta média de citações maior do que o conjunto sem colaborações; se menor do que 1,0, o contrário. A Figura 8 apresenta os dados para todas as UFs (organizadas em ordem decrescente pelo valor desse quociente, para o total de suas respectivas publicações), segundo áreas do conhecimento.
Os valores no eixo \(y\) foram limitados até o valor 3,0, para facilitar a visualização da maior parte das colunas (mas os valores mais altos podem ser observados passando-se o cursor sobre as colunas).
Observa-se que as áreas de Ciências Médicas e da Saúde e de Ciências Sociais, Humanidades e Artes apresentam, em geral, valores do indicador bem maiores do que 1,0, para quase todas as UFs. Isso indica que as colaborações, nessas áreas, têm forte impacto positivo sobre o número de citações. As exceções são Rio Grande do Norte, Distrito Federal e Maranhão para essas duas áreas, acrescentando-se o Paraná no caso da primeira. A área de Engenharia e Tecnologia é a que apresenta o maior número de UFs com esse indicdor abaixo de 1,0, oito no total. Nas demais áreas, o número de UFs para as quais o indicador está abaixo de 1,0 varia entre cinco e seis.
5 Colaborações entre UFs, colaborações internacionais e impacto de citações
Para entender porque para algumas UFs (São Paulo e Maranhão, por exemplo) as colaborações regionais não implicam aumentos no número de citações (Figura 7) o que seria esperado, observamos a porcentagem de colaborações internacionais desses dois grupos de publicações, nos gráficos da Figura 9 abaixo. As UFs estão apresentadas na mesma ordem utilizada na Figura 8.
As UFs com valores mais baixos no impacto de citações decorrentes das colaborações com outras UFs, isto é, com quocientes próximos ou abaixo de 1,0 para o total de publicações (Figura 8), são, em geral, aquelas para as quais a porcentagem de colaborações internacionais é maior no grupo de publicações sem colaborações com outras UFs, como São Paulo e Maranhão. Para esta última, cujo quociente da Figura 8 é o mais baixo entre todas as UFs (de 0,86), também a diferença entre as duas porcentagens é maior, de 28% para as publicações com colaborações com demais UFs e 48% para o grupo sem tais colaborações. Tal resultado é esperado, pois há grande associação entre intensidade de colaborações inteernacionais e número de citações, reconhecida em estudos bibliométricos. De fato, as colaborações inter-regionais efetivamente ampliam a visibilidade das publicações e mais do que compensam a diferença entre os dois grupos de publicações nas colaborações internacionais, para a maioria das UFs para as quais as colaborações internacionais são mais intensas no grupo das publicações sem colaborações com as outras UFs. De qualquer forma, para a maioria das UFs (15 das 27), a frequência de colaborações internacionais é maior para o grupo de publicações que também apresenta colaborações com as demais UFs.
6 Comentários finais
Dos dados apresentados, observa-se que uma característica do sistema de pesquisa científica brasileiro é o alto nível de colaboração entre as UFs, com índices sempre acima de 40% e, na maioria dos casos, superiores a 60% (Figura 3). Em geral, as taxas de colaborações entre as UFs vêm aumentando, inclusive para as UFs com maiores volumes de publicações (Figura 3 e Figura 5). Para as que apresentam números menores de publicações, a tendência é a ocorrência de índices de colaborações mais elevados (Figura 4), em alguns casos se reduzindo, à medida que o número absoluto de publicações aumenta. Para todas as UFs, constatou-se que a intensidade de publicações em relação à população também vem crescendo significativamente (Figura 4). Para a maioria das UFs, é vantajoso manter colaborações com outras UFs, do ponto de vista da visibilidade acadêmica das publicações em todas as áreas do conhecimento, de forma significativa em alguns casos (Figura 7 e Figura 8). Finalmente, a maioria das UFs apresenta taxas de colaboração internacional maior para as publicações que também apresentam colaborações com as demais UFs, o que se associa a maiores índices de impacto de citações para esse grupo de publicações (em relação ao grupo sem colaboração com as demais UFs), conforme Figura 8 e Figura 9.
Fontes e dados
Os dados utilizados neste boletim derivam dos dados disponibilizaods pela plataforma Incites, desenvolvida pela Clarivate a partir dos dados bibliométricos da base Web of Science, através de contrato com a Fapesp. Para informações, acesse Incites/Clarivate.
Em relação às áreas do conhecimento, optou-se por utilizar o Esquema de Áreas da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que é utilizado internacionalmente e pode facilitar futuras comparações internacionais. As áreas são:
- Ciências da Natureza: Ciências Biológicas, Física, Química, Matemática, Estatística e Computação
- Engenharia e Tecnologia
- Ciências Médicas e da Saúde
- Ciências Agrícolas e Veterinária
- Ciências Sociais, Humanidades e Artes: esta grande área resulta da junção de duas áreas no esquema original, Ciências Sociais e Humanidades e Artes. Optou-se por considerar as duas conjuntamente pois, principalmente a segunda, no caso do Brasil, apresenta um número bastante reduzido de publicações indexadas na base Web of Science
Os dados de população se originam das Projeções Populacionais 2000-2070, do IBGE, publicadas em 2024 a partir dos dados do Censo 2022.
Sobre o Boletim
O Boletim Indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação/Fapesp é uma publicação da Gerência de Planejamento, Estudos e Indicadores (GIP), Diretoria da Presidência do Conselho Técnico Administrativo (DPCTA) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Como citar
Fapesp (2025). Colaborações Científicas entre Unidades da Federação. Boletim Indicadores de CT&I 04/2025. GIP/DPCTA/Fapesp, São Paulo, 2025.